A tripanossomose bovina representa uma das maiores ameaças à pecuária nacional, com impactos diretos na produtividade e na saúde dos rebanhos. Causada pelo protozoário Trypanosoma vivax, a doença compromete significativamente a produção de leite e carne, gerando prejuízos financeiros consideráveis para os pecuaristas.
Dada a relevância do setor pecuário para a economia e a segurança alimentar do Brasil, compreender e controlar essa enfermidade é fundamental. O grande desafio não está apenas na natureza da doença, mas também na sua capacidade de disseminação rápida, exigindo uma abordagem integrada e bem informada por parte de todos os envolvidos na cadeia produtiva.
A tripanossomose bovina, também conhecida como "mal-das-cadeiras" ou "peste-de-moscas", é causada por um parasita que, ao infectar o organismo bovino, desencadeia uma série de processos patológicos, resultando nos sintomas característicos da doença. A epidemiologia da tripanossomose depende das interações entre o parasito, o vetor e o hospedeiro, e seu impacto pode variar ao longo do tempo devido a mudanças no manejo e no ambiente.
O parasita multiplica-se na corrente sanguínea do animal, provocando anemia, inflamação e disfunção de órgãos. A presença constante do T. vivax e a resposta imunológica do hospedeiro levam à progressão da doença, afetando o bem-estar animal e a eficiência produtiva.
A transmissão ocorre principalmente através da picada de insetos vetores, como mutucas (tabanídeos) e outras moscas hematófagas. Esses insetos, ao se alimentarem do sangue de um animal infectado, ingerem o parasita e, ao picarem um animal saudável, propagam a doença no rebanho. Além disso, a tripanossomose pode ser disseminada iatrogenicamente, ou seja, por meio de procedimentos veterinários com seringas contaminadas ou instrumentos cirúrgicos mal higienizados. O compartilhamento de agulhas entre bovinos, prática comum entre produtores, merece atenção especial, pois facilita a propagação da doença.
Devido aos sinais inespecíficos, a tripanossomose pode ser confundida com outras hemoparasitoses, como o complexo tristeza parasitária bovina (causado por Babesia sp. e Anaplasma sp.) e verminoses que levam à anemia, tornando o diagnóstico um desafio. Por isso, é essencial considerar essa possibilidade no diagnóstico diferencial.
Os sinais clínicos variam conforme o estágio da infecção. Na fase aguda, os animais podem apresentar febre intermitente, apatia e redução no consumo de alimentos, dificultando o diagnóstico precoce. Com a progressão da doença, os sintomas tornam-se mais evidentes e graves, incluindo emagrecimento acentuado, anemia, edemas subcutâneos (especialmente na região ventral e nos membros) e, em casos severos, comprometimento neurológico com sinais de incoordenação motora. A queda drástica na produção leiteira e a dificuldade no ganho de peso dos animais de corte impactam diretamente a rentabilidade da propriedade.
Outro fator preocupante são os animais assintomáticos, que podem prejudicar programas de controle baseados na manifestação clínica da doença. Esses animais, mesmo sem sintomas aparentes, continuam sendo fontes de infecção, disseminando a doença no rebanho. Além disso, em fases assintomáticas, os tripanosomas podem não estar presentes no sangue, mas sim em regiões extravasculares, como linfonodos, dificultando a detecção por exames convencionais. Nesses casos, testes sorológicos para detecção de anticorpos contra T. vivax podem ser úteis.
O diagnóstico pode ser realizado por exames laboratoriais específicos, como o exame de esfregaço sanguíneo, que permite a visualização direta do parasita ao microscópio, e testes sorológicos, que identificam anticorpos produzidos pelo animal em resposta à infecção.
O tratamento da tripanossomose bovina baseia-se na administração de medicamentos tripanocidas específicos. No Brasil, os mais utilizados são o diminazene e o cloridrato de isometamidium. O diminazene possui efeito curativo e, dependendo da dose, também pode ter efeito preventivo. Já o cloridrato de isometamidium, além de curativo, apresenta menores efeitos colaterais e é indicado para animais debilitados.
No entanto, o tratamento não garante a eliminação completa do parasita, e há relatos de reativações da infecção em situações de estresse, como transporte ou infecção concomitante por outros hemoparasitos. Além disso, os anticorpos contra o parasita desaparecem dentro de até dois anos, deixando os animais suscetíveis a novas infecções.
Para um controle eficaz da tripanossomose, é essencial adotar estratégias preventivas, como o controle dos vetores transmissores, reduzindo a presença de insetos hematófagos nas áreas de criação, evitar o uso compartilhado de agulhas e seringas entre os animais, implementar quarentena para novos animais introduzidos no rebanho, realizar exames periódicos para monitoramento da saúde do plantel, utilizar repelentes para minimizar o contato com vetores e melhorar o manejo sanitário e a higiene dos procedimentos veterinários.